O rapper Mano Brown, 41, é o autor da música que encerra "Marighella".
"Ele viu o filme inteiro três vezes, e não quis cobrar pelo trabalho. No
final, comentou: 'Você não está fazendo este filme para seus pares,
quem precisa de heróis é minha gente'", lembra a diretora Isa Ferraz.
Para Brown, o governo estadual e a prefeitura são "racistas".
A assessoria de Kassab respondeu que a gestão é a que mais investe em
educação e cultura, principalmente na periferia. A assessoria de Alckmin
não se pronunciou.
Abaixo, a entrevista concedida por Mano Brown à Folha.
Folha - Por que aceitou o convite de participar de "Marighella"?
Mano Brown - O convite chegou através do movimento negro. Algum
cara do rap já tinha me falado sobre ele, eu conhecia de longe, só a
lenda, pois é algo de não sei quantas gerações atrás. Alguém me falou
também que em algum detalhe ele parecia comigo. Na luta dele, na idéia.
Somos os dois filhos de preto com italiano e minha família também vem da
Bahia.
![]() |
||
O rapper Mano Brown durante show do Racionais MC's no Festival Black na Cena, no Anhembi, em São Paulo |
Quais os paralelos entre suas ideias?
Marighella lembra Malcom X, lembra Public Enemy, lembra Racionais. Muito
do que cantamos no rap provavelmente veio dele. Por exemplo, o conceito
da violência contra a violência. A luta dele vem de uma época em que
não podia ter eleição direta, toda hora tinha golpe. Ele foi proibido de
correr pelo certo. Resolveu usar a força pois só isso resolveria.
Em que medida a luta dele se assemelha com a luta de hoje?
Hoje temos um governo de esquerda. Se ele estivesse vivo, provavelmente
estaria apoiando Dilma e Lula. Mas a luta continua a mesma. A direita
está aí, as forças contrárias estão atuando.
Quais, por exemplo?
O governo Alckmin é inimigo, é um governo racista de polícia, de
repressão. A morte de pretos aumentou pra caramba sob sua gestão. A
polícia na rua enchendo o saco e botando pressão onde não tem motivo.
E o Kassab?
É outro inimigo. Desde que assumiu, o número de shows dos Racionais
diminuiu muito. Tudo que ele faz hoje é contra a cultura negra, não
deixa o povo tomar a frente. É um governo racista do caralho.
Muita gente andou estranhando ver os Racionais dando show em clube de playboy.
É por falta de opção. Onde tem show dos Racionais a polícia fica pegando
no pé, pedindo um monte de documento. Mas em certas baladas e boates,
eles não entram.
Você foi enquadrado pela polícia recentemente no aeroporto. Como foi?
Ridículo. Só neste ano, acho que fui enquadrado umas dez vezes. Os caras
me reconhecem e param. Nesse enquadro do aeroporto o polícia me chamou
pelo nome diante de um monte de gente, até repórter tinha.
Como enxerga a emergência da classe C?
Tem um monte de gente comprando e consumindo.O pessoal vai atrás da
aparência, compra roupa, telefone. Lógico que é necessário mas o
principal está faltando: educação e instrução, e faculdade gratuita.
Faltam bons motivos pra estudar. Única coisa que dá pra estudar, que dá
resultado, é computador. O ensino está defasado e quem aprende outras
coisas fica excluída, sem benefício nenhum.
E a cultura do consumismo?
A gente sempre constestou isso. Somos contra várias marcas. O movimento nosso não tolera envolvimento, alianças e negócios.
Voltando ao filme, você assistiu? O que achou?
O filme é ótimo. E tem um ponto de vista diferenciado, pois foi feito
pela sobrinha dele. Hoje em dia Marighella é visto como herói mas na
época não era assim. Achei que tinha que passar essa visão pros caras.
E a música que você compõe?
Tentei não plagiar as coisas que li sobre ele. Tentei somar, não copiar.
Traduzir a ideia dele pra rapaziada. Agora, eu não convivi com o cara,
tentei projetar uma visão real sem sensacionalismo barato - o que tá
difícil ultimamente.
Qual a relação dela com o contexto de sua obra?
Tudo a ver. E agora estamos fazendo um novo disco. A maioria das músicas
está pronta. Só que desta vez estou carregando meu piano, colocando os
caras (demais integrantes do Racionais) na cara do gol: eles estão
saindo mais na frente, estou ficando na contenção. Grupo é grupo.
Quando sai o novo disco?
Pode ser neste ano. Mas o disco já não é mais tão importante, virou um
cartão de visitas muito caro. Compensa mais por a música na rua, e isso a
gente já está fazendo.
Que acha dos nomes que estão despontando, como Criolo e Emicida?
Eles são muito bons, acima da média, mas o que não entendo é que tem
três mil nomes pra falar e a mídia só fala em três. Ninguém dá espaço
para gente que está aí faz tempo, como o Dexter ou Realidade Cruel. Acho
que há um preconceito muito grande com o rap mais militante. É preciso
conciliar esta nova geração com o rap mais combativo.
Algum recado para seus fãs?
Não perder a resistência e se fechar na ideia de saber o que quer. Tomar
cuidado com as informações rápidas e erradas. A impressão é que não
existe coisa para conquistar. Ao mesmo tempo, protestar virou moda, tem
que tomar cuidado pro protesto não ficar apenas entre aspas.
MORRIS KACHANI
Fonte: Folha
Nenhum comentário:
Postar um comentário