domingo, 11 de setembro de 2011

Conto 1:Terra para quem trabalha


Tudo iniciou numa sexta-feira, que seria como outra qualquer, se não fosse a decisão de alguns pais e mães de família em tomar a história nas suas mãos em vez de ver ela passar. Algumas dezenas de famílias resolveram ocupar uma área abandonada nas extremidades da cidade
Munidos de enxada, foice e facão e tantas outras ferramentas avançaram sobre o lote.
As mulheres com panos amarrados na cabeça para protegerem-se do sol, do lado os filhos que só vão para a escola à tarde e não podem ficar sozinhos. A cada passo dado o pulsar do coração acelerado na fé de conseguir um pedacinho de chão, uma pra fugir do aluguel, outra pra desocupar a casa cedida pela família. Algumas batidas mais aceleradas no peito, quando passa pela cabeça como será a reação de quem se julgar dono do lote, e bate o medo que só não é maior do que a vontade de conquistar a terra.
- Todos os terrenos terá o mesmo tamanho.- Grita o homem instruindo para que ali não se reproduza a desigualdade dos outros lugares.
Corre pela cidade a notícia de que invasores estão nas terras de um deputado estadual. A imprensa, como abutres sedentos de alimentos correm para fazer suas reportagens. E de repente dona Maria, seu João, com as mãos calejas do trabalho tornam-se criminosos com a cara estampada nos telejornais locais.
Depois de meio-dia, já está tudo limpo, dona Ana, catadora de lixo, começa a levantar um barraco, tudo material do lixão por ela recolhido, o teto de chapa de raio x. Longe de ser o sonhado, mais é o primeiro passo, a conquista da terra.
Agora o lote antes abandonado, onde servia de esconderijo para bandidos e local de consumo de drogas, dá espaço à novas ruas, aos barracos, aos sonhos.
No fim da tarde todos se reúnem ao pé de uma árvore que preservaram, e discutem como será a organização da ocupação. E naturalmente surgem falas simples, mas muito consistentes, forjando assim as lideranças que dará a linha de organicidade da nova comunidade. Cada um, dentro das suas limitações compromete-se em está constantemente na terra até que possam mudar de vez.
É chegado a noite, a lua com seu brilho especial dá mais beleza à realização desses sonhos, e ao redor de uma fogueira todos se juntam para compartilhar sua histórias, suas dores e alegrias. Humberto, um jovem de vinte e cinco anos ao lado de sua jovem esposa, pega o seu violão e anima a noite com várias canções entre ela a sua preferia, tocando em frente. As horas vão passando, aos pouco um por um vai saindo procurando um lugarzinho pra dormir.
Ao surgir um novo dia, todos sabem que é uma nova batalha a travar.
- Tá vindo um trator pra cá!- Avisa o menino Ricardinho, todo sujo e ofegante de tanto jogar bola.
Num instante todos estão aglomerados no mesmo lugar, e deles se aproximam o trator e uma caminhonete. Reconhecem o homem dentro da caminhonete preta, é Reinaldo Manga, o representante do Deputado Estadual Jonas da Rádio, que se diz dono da terra.
- E agora, o que vamo fazê? – Fala Seu Dezim, já muito nervoso.
- Num vamo arredar o pé daqui, eles não são justicia. Só a justicia é que vai tirar nois daqui. – Grita Neguinha, com a respiração ofegante, sentindo um misto de raiva e medo. A fala da mulher serviu como líquido inflamável inundando  todos de uma coragem que até então nem eles próprios sabiam ter, ergueram foices e facões e gritaram: Terra para quem trabalha!
Não se intimidando, Reinaldo desce da caminhonete e de forma arrogante dirige-se ao povo:
-Esta terra tem dono, vocês não têm nada que estarem nela, tratem de sair daqui agora ou alguém vai se machucar. Vão trabalhar, pra comprar um terreno pra vocês. Estão vendo aquele trator ali, já ele vai começar a derrubar tudo que vocês fizeram e quem se meter na frente, a ordem é passar por cima.
Ouvindo todas aquelas coisas, passava pela cabeça de cada um, quantos dias,anos, já trabalharam em busca de conseguir a tão sonhada casa própria. Mas as condições nunca lhes permitiram que alcançassem o objetivo, e hoje ouvem que devem trabalhar, que serão atropelados pelo trator se resistirem. Na verdade o atropelamento acontece todos os dias pela exploração e ganância dos patrões.
Alguém vira-se para o tratorista e com o coração aberto fala emocionado:
- Camarada, somos todos trabalhadores tanto quanto você. O senhor deve ter filhos, ta vendo essas crianças aqui? Precisam de um lugar seguro pra morar, pra crescer, e infelizmente com o valor que é pago pelo nosso trabalho não conseguiremos dá isso à eles, por isso estamos aqui. Quando o senhor deitar a noite, certamente não conseguirá dormir se derrubar o pouco que já fizemos aqui.
Infelizmente, a ideologia burguesa impregna nos trabalhadores sem que eles percebam, impossibilitando-os de se sentirem vítimas dos problemas que afligem os demais. Em nada o clamor do homem sensibilizou o tratorista, que ligou o trator como amostra de qual lado ele iria defender.
A pressão do momento, junto com o sol que aquela altura do dia estava escaldante fazia o suor correr no rosto daqueles homens e mulheres. O trator ligado sendo acelerado era uma arma sendo aportado no rosto, no sonho de cada trabalhador ali presente.
Sem nenhuma alternativa a recorrer, restou a cada um avançar em direção ao trator e tomá-lo do seu condutor, que saiu correndo deixando seu patrão para trás.
A máquina em posse agora dos ocupantes, era acelerada rumo ao veículo de Reinaldo Manga. Nesse instante chega os repórteres e câmaras e filmam aquela cena, do trator dirigindo-se contra Reinaldo. O homem é contido por seus companheiros e desliga a máquina à um fio do seu algoz.
O que ficou registrado do momento foi a violência com que o representante legal do dono da terra foi tratado, e mais uma vez os ocupantes serão expostos nos jornais com bandidos.
- Registrem isso, esses vagabundos iam me matar!- Fala Reinaldo aos repórteres, que são seus funcionários.
Reinaldo é aconselhado a sair dali, o que ele faz de imediato. Horas depois um homem veio buscar o trator.
Essa quase uma hora de pressão, serviu para unir ainda mais todos ali, aumentando ainda mais a vontade de lutar pra conquistar essa terra. Todos sabiam que a repressão sobre eles estavam apenas começando, mas se permanecessem organizados nada os abalará. O dia apenas começara, e muito já acumularam, forjados sobre pressão da repressão.
É fim de semana, todos esperam para o começo da próxima ainda mais perseguição, mas guardam a certeza de que serão apenas obstáculos a serem superados até a conquista definitiva da terra.

Por Maria Fernanda Linhares

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