"Um
dia, faz 40 anos, eu estava indo com meu pai para a escola e ele disse: 'Vou te
contar um segredo: seu tio Carlos é o Carlos Marighella'". Assim começa o
documentário "Marighella", de Isa Grinspum Ferraz, com estreia
prevista para outubro.
Em uma
hora e 40 minutos, "Marighella" desfia a trajetória do ícone da
esquerda brasileira que acabou baleado e morto dentro de um Fusca em 1969, em
São Paulo.
Meio
século da história do país pode ser contado a partir dos acontecimentos em sua
vida: a gênese do comunismo baiano, mulato, do qual Jorge Amado era partidário;
o conflito entre integralistas e comunistas; a legalização do Partidão; a
clandestinidade; a frustração com Stálin; o golpe militar e, por fim, a luta
armada.
Mas o que
torna "Marighella" único é o olhar íntimo que só quem era de dentro
da família seria capaz de documentar: "Tio Carlos era casado com tia
Clara. Eles estavam sempre aparecendo e desaparecendo de casa. Era carinhoso,
brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos
cartazes de 'Procura-se' espalhados pela cidade", continua a voz em off da
própria Isa, que assina direção e roteiro do filme.
"A
ideia é desfazer o preconceito que até pouco tempo atrás havia contra meu tio.
Era um nome amaldiçoado, sinônimo de horror. Além da vida clandestina e do
ciclo de prisões e torturas, procuramos mostrar também o poeta, estudioso,
amante de samba, praia e futebol, e acima de tudo o grande homem de ideias que
ele foi", diz Isa, socióloga formada na USP.
Na
esteira da pesquisa que foi feita, surgiram algumas revelações. Clara Charf,
companheira de Marighella de 1945 até sua morte, hoje aos 86, desenterrou uma
pasta que pertencia a ele, na qual aparecem correspondências, mapas e esboços
de ações guerrilheiras.
A
produção também descobriu uma gravação de Marighella para a rádio Havana, de
Cuba. Em sua fala tipicamente cadenciada, ele anuncia o rompimento com o
Partido Comunista e a adesão à luta armada. Mesma época em que intelectuais
europeus como o cineasta francês Jean-Luc Godard passam a enviar remessas de
dinheiro em apoio à sua causa.
O filme
ainda traz trilha sonora de Marco Antônio Guimarães e Mano Brown e depoimentos
esclarecedores de militantes históricos, como o crítico literário Antonio
Candido: "Marighella encarnava moral e psicologicamente o seu povo. Ele
era pobre e não abandonou sua classe".
Já a judia Clara enfrentaria resistência do pai
ao assumir o relacionamento, no que acabou se transformando numa versão
tropical de "Romeu e Julieta". "Carlos era preto, comunista e
gói (não judeu)", lembra Clara, aos risos. "Mas era muito doce e, no
fim, conquistou a todos."
MORRIS
KACHANI
Fonte: Folha
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