quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Não é invasão é ocupação

- Quanta gente filmando e fotografando nós, tamo até parecendo famoso. - Fala Rosana à sua mais nova amiga.
- Só que nós vamo aparecer no jornal como criminoso, eles num tão aqui pra ouvir o nosso lado, tão aqui pra registrar um crime. - Responde Josi,a amiga.
 Quando as duas mulheres resolveram fazer parte do grupo que ocuparia uma área desocupada nas margens de um bairro periférico, não mensuraram o tamanho da pressão que receberiam quando o reclamante da posse da terra aparecesse.
Ninguém escolhe ser chamado de invasor, as circunstâncias obrigam cada um se arranjar como pode, se adaptar. Rosana, mãe de três crianças, solteira, trabalha como doméstica para receber no fim do mês um mísero salário mínimo, mais o bolsa família no valor de cento e vinte reais. Ela sempre morou de aluguel, numa pequena casa na periferia de Altamira, nunca se reclamou da vida por nada, sempre foi à luta. No entanto mês passado a dona da casa falou que aumentaria o valor do aluguel. Ela se assustou:
- Trezentos reais? Eu só pago cem reais por mês e agora vai para trezentos?!
A proprietária com muita calma explicou que o valor do aluguel estava caro por conseqüência da procura, tinha muita gente chegando à cidade. Rosana já sabia desse aumento dos aluguéis na cidade, mas não imaginava que poderia lhe afetar, afinal ela mora num bairro afastado, longe de polícia, de hospital, longe de tudo. Dona Lúcia, a proprietária deu o ultimato: ou paga o novo valor ou terá que desocupar a casa. No dia seguinte Rosana saiu à procura de uma nova casa para alugar, mas depois de algum tempo ela percebeu que não havia placas de aluguel, e nas poucas que tinha, ouvia sempre um valor exorbitante.
À noite, uma vizinha, dona Josefa, foi lhe visitar e durante a conversa sobre sua saga à procura de uma casa para alugar, dona Josefa falou:
- É por causo da barragi muié, essa cidade tá um inferno, pobre aqui num pode viver mais. Deixa eu ti falar uma coisa, o filho da dona Maria do João tá juntando um povo pra invadir aquele terreno ali no fim do bairro, lá cabe muita gente, ele só quer gente que num tem casa mesmo. Mas que imediatamente Rosana foi à procura do filho de dona Maria do João e pediu pra ir junto na invasão.
- A partir de agora não fale mais invasão, é ocupação. - Disse o homem.
Como combinado, às seis da manhã de uma quarta-feira de Julho, homens e mulheres, seguiram rumo ao terreno munidos de facão, foices e enxadas. Lá chegando foram desbravando o matagal, enquanto alguém tratava de ir dividindo os terrenos.
Agora em plena nove horas da manhã estão todos cercados por repórteres e policiais, e alguém com uns papéis na mão dizendo ser o dono da terra, mesmo a cidade toda sabendo que aquele terreno sempre foi da prefeitura.
Com lágrimas nos olhos, Rosana se pergunta se vale a pena passar por aquilo tudo, ouvir que vai ser presa, ser tratada como criminosa. E a resposta era sim, se não fosse dessa forma ela não conseguiria dá um teto à seus filhos. E num ato espontâneo gritou que não arredaria o pé até que mostrassem o documento de reintegração de posse.
- Terra para quem trabalha! – Gritou Rosana.
Fonte: Blog Vitoriano Bill Kelevra

Documentário Os sábios de Córdoba exercita a tolerância religiosa

Morador de Nova York, o documentarista Jacob Bender presenciou os atentados de 11 de setembro de 2001. Após o impacto inicial, passou a refletir sobre as políticas de segurança adotadas pelos Estados Unidos, baseadas em teses como a do choque de civilizações entre Ocidente e Oriente, que inviabilizaria a convivência entre povos de diversas origens e religiões.
O questionamento dessa impossibilidade é o ponto de partida da jornada empreendida por Bender, que se apoia em duas figuras importantíssimas do pensamento tanto do Ocidente como do Oriente, os filósofos Averroes e Maimônides, para retornar à Espanha medieval, onde judeus, muçulmanos e cristãos coexistiam pacificamente.
Na Andaluzia, sua primeira parada, Bender constata, com a ajuda dos dois “sábios de Córdoba”, que a cultura árabe está no coração da cultura ocidental. O período em que essa região esteve sob domínio árabe foi de florescimento das ciências e da criatividade de forma geral, enquanto o resto da Europa estava mergulhada na privação de conhecimento que caracterizou a Idade Média.
As obras de Aristóteles, por exemplo foram redescobertas pelos estudiosos árabes que viviam em Al Andalus. Averroes, muçulmano e de origem árabe, fez comentários importantíssimos sobre seus escritos, sendo um dos responsáveis pelo diálogo de Al Andalus com a Grécia Clássica. Já Maimônides, de origem judaica, estudou medicina e relacionou a ciência com suas atividades religiosas, rejeitando qualquer forma de dogmatismo. Ambos nasceram em Córdoba e tiveram de deixar a cidade após a expulsão dos árabes pelos cristãos.
Bender segue os passos dos filósofos por Marrocos e Egito, além de visitar locais onde suas obras voltaram a ser estudadas posteriormente, como França e Itália. Em paralelo, o diretor busca elementos que refutam a teoria do choque de civilizações, demonstrando a contemporaneidade do pensamento dos “sábios de Córdoba”, que já se colocavam contra qualquer forma de segregação baseada na religião.
A jornada do diretor termina com a passagem por Israel e Palestina, onde o documentarista reflete sobre o conflito entre judeus e palestinos, se posicionando contra iniciativas como a construção do muro da Cisjordânia, o estabelecimento de assentamentos irregulares e a derrubada de casas de famílias palestinas.
Ao passar por esses locais, relacioná-los ao conhecimento produzido por Averroes e Maimônides, e entrevistar pessoas que estão utilizando suas tradições religiosas para desafiar as proposições mais conservadoras, Jacob Bender produz um libelo à tolerância religiosa e à convivência pacífi ca entre povos de diferentes origens.

Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Seres humanos de condomínio


Todos ali sabiam que a maioria das revistas e dos jornais mais vendidos do país tem como primeiro objetivo vender, como segundo objetivo vender e como terceiro objetivo manter a condição de bons vendedores.
Todos ali também sabiam que o direito de fazer o som e a imagem chegar a qualquer aparelho de rádio ou televisão é um direito de todos. Porém, é um direito que foi roubado e restrito a poucas emissoras. Chamavam de latifúndio no céu...
Todos ali sabiam também que a experiência de vida da maioria dos jornalistas que trabalham para a mídia-porta-voz-do-poder-de-voz limita-se ao que vivenciam em ambientes como clubes, academias, hotéis, boates, shoppings e restaurantes. Basicamente isso. Da infância à aposentadoria. Típicos seres humanos de condomínio. São pessoas que talvez até possam saber o que é trabalhar muito. Mas, antes e depois de trabalhar, dormem numa casa confortável, tomam um café da manhã confortável, entram num carro confortável, trabalham num escritório confortável e se divertem em lugares confortáveis.
São pessoas que só conhecem pessoas do povo a partir da relação “você me serve, eu te pago”. Conhecem empregadas domésticas, faxineiras, jardineiros, porteiros de prédio, vigias de carro, garçons, balconistas etc. São pessoas que, também por isso, não sonham com um mundo igualitário. Igualitário no que diz respeito às relações de poder, no que diz respeito às possibilidades iguais de poder ser feliz.
Todos ali sabiam (e se não sabiam imaginavam) que, em sua maioria, os jornalistas que se propõem a trabalhar para a mídia-alto-falante-do-que-fala-a-classe-alta foram estudantes universitários com pouca ou nenhuma formação política. Foram estudantes do tipo que não se interessam pelos problemas da humanidade, nem se indignam o suficiente com as injustiças sociais de cada país. Não entendem e não procuram entender como as sociedades estão organizadas, como poderiam se organizar.
Todos ali também sabiam que as pessoas mais sensatas (aquelas que, no caso, têm o mínimo de formação política) não teriam tempo de fazer mais nada na vida se resolvessem retrucar diariamente a ignorância política ou o oportunismo tendencioso dessa mídia que publica o ódio ao socialismo e a ode ao capitalismo.
Todos ali sabiam disso tudo e de outras coisas mais. Entretanto, ainda havia muito o que aprender sobre o tema. E era por isso que estavam ali, sentados em círculo, debatendo esse assunto. O debate estava sendo organizado por jovens que faziam parte da Brigada de Agitação e Propaganda “Semeadores”, um grupo criado pelo Coletivo de Cultura do Movimento Sem Terra (DF e entorno). Ali, tinham trinta e poucos jovens, a maioria, assentados. A outra parte era formada por estudantes universitários do curso de comunicação social.
E o debate seguia produtivo. A cada avanço nas discussões, duas sensações prevaleciam. Primeiro, a satisfação em avançar por adquirir tais conhecimentos. Segundo, o desespero de não poder fazer nada para evitar o que acontecia há décadas: às oito da noite, milhões e milhões de fiéis sintonizados no mesmo canal, vendo e ouvindo as mesmas reportagens, feitas por seres humanos de condomínio.

Autor:Fábio Carvalho